Entrou na casa escura e caminhou até a cozinha, onde acendeu a luz. Olhou em volta, abriu o armário e pegou um vasilhame plástico com tampa. Lá dentro, depositou, com todo cuidado, a sacola plástica que trazia agarrada ao peito. Guardou o recipiente no congelador, apagou a luz da cozinha e foi para o quarto. Tirou a roupa e resolveu tomar um banho. Aquele foi demorado. Sentou no chão do box, encostou na parede, água escorrendo na cabeça e pelas costas. Ela olhava fixo para as mãos, já enrugadas pelo tempo de água, já enrugadas pelo tempo. Saiu do banho, vestiu um pijama e se entocou embaixo das cobertas na cama. Quase imediatamente caiu no sono e só acordou com a claridade do início da manhã. Ligou a TV e, no jornal matinal, o jornalista comentava alguns detalhes de mais um crime horrendo acontecido no dia anterior. Homem retalhado a faca, corpo encontrado no gramado do cemitério. O morto já estava em seu lugar de destino. Levantou da cama, deixou a TV ligada e, descalça, caminhou até a cozinha. Abriu o congelador, retirou o pote, levantou a tampa, desembrulhou a sacola lentamente. Estava lá o coração do assassinado, ainda bem vermelho, ainda batendo em ritmo só para ela. Aquele coração seria só dela, de mais ninguém.