Sabe como é… Dezembro chega e já vai embora, no meio de tanta coisa para terminar, para fechar o ano, para começar o ano seguinte zerado, cheio de promessas de dias melhores e sorrisos intensos. O pensamento, que já está desfocado, viaja para trás e para frente, lembrando e imaginando, todos os verbos no gerúndio de uma boa fala brasileira.
No entanto, este dezembro chegou inclemente, com a notícia do coração que vai ter que colocar um aparelhinho, como um Ipod nano, cor-de-rosa, – na verdade é cinza feioso, prefiro imaginar que seja rosa – para fazer com que ele volte a bater em um rítmo normal e mais vigoroso.
Aquele coraçãozão imenso, que carrega o mundo lá dentro, que não guarda mágoa de ninguém, que sempre estendeu as mãos – o coraçãozão de meu pai tem mão, tem perna, tem olho, tem vários outros membros que o ajudam a ser tão generoso – vai ter que levar uns choquezinhos cada vez que sair do rítmo, como se estivesse numa escola de samba do grupo especial.
Os médicos falaram que é coisa à toa, um cortezinho aqui – é tudo no diminutivo – dois fiozinhos ali, um no átrio, outro no ventrículo, um por cima, outro por baixo, um na saída e outro na entrada, para o tum-tum voltar pro tom.
Depois de muitos exames e muito palpite, muita ordem do que não pode fazer – nem comer, nem beber – resolveram que a cirurgiazinha vai ser agorinha, em menos de cinco diazinhos. Mas esses diazinhos são muito longos e são justamente aqueles que têm trinta horas, mas que não estão disponíveis quando deles precisamos.
Já houve dezembro em que desejei que meus dias tivessem mais horas para dar conta de tudo, mas neste dezembro, em que tenho tanto para fazer e nada faço, eu gostaria de dias curtinhos para passar logo e levar o coraçãozão do pai para o hospital e trazer de volta o pai inteiro, com um Ipod extra que não vai tocar música, mas vai apitar nos aeroportos e em todas as lojas com barreiras eletrônicas antifurtos.
Os médicos – de novo eles – disseram que o problema é só esse, como se fosse pouco ter um problema em que o coração fica uns segundinhos sem bater, e que o músculo cardíaco desse paizão está em excelente estado. Não poderia ser diferente: ele foi alimentado durante os últimos 73 anos com o mais puro amor que todos poderíamos dar, além dos afetos sinceros de toda a família, dos amigos, dos conhecidos, do homem do sinal, do vendedor de frutas, de todos que têm o privilégio de conhecer o dono desse coraçãozão. De pastel também. E empadinha. Porque, como já falei antes, o coraçãozão do meu pai tem muitos membros e tem boca e sistema digestivo também. Na verdade, tem tudo: quando olho para ele, para o meu pai, o que vejo é um grande coração andando por aí. Sorrindo por aí. Fazendo hidroterapia para fortalecer todos os músculos. Contando histórias e fazendo a vida ser melhor. Dessa forma é capaz desse Ipod nano cor de coração além de colocar as batidas surdas no rítmo, ainda trazer uns sambinhas de Cartola, de Chico, de Pagodinho… Em menos de cinco dias, vou colocar a cabeça no peito de meu pai e ouvirei música lá do fundo do coração.
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