O nosso dindinho

Atendi o telefone de um salto e a voz do outro lado disse, chorando: “ele foi”. Entendi de imediato o que tinha acontecido, mas não sabia, ainda, o impacto de sua ausência em nossas vidas.

O marido da minha madrinha, o pai de minhas primas, o cunhado de meus pais, o meu padrinho partiu cedo, muito, muito cedo. Aos 42 anos levantou voo e nos deixou aqui em pedaços e desagregados. Isso foi há 36 anos, parece que foi ontem, sua voz ainda ecoa, a risada é ouvida pelos cantos, o sambinha, o timbau, as histórias que vivemos, tudo está presente e está dentro de nós.

Mas ele não está aqui.

Meu padrinho foi o melhor do mundo. Ainda é, porque o que ele fez, ninguém mais fará. Ele me disse certa madrugada de carnaval, quando encontrou minha pulseira perdida num chão coberto de confetes e serpentinas: “a estrela do seu dindinho pisca, mas não apaga!”

Tá lá no universo, brilhando para a eternidade, onde iremos nos reencontrar.

 

 

 

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A casa de minha infância

A casa de minha infância tem paredes brancas e janelas de peroba-do-campo que meu avô não deixou pintar. A casa de minha infância tem portas almofadadas, lareira com lenha que queima azul para todo mundo olhar como uma T antiga, tem a poltrona do Fasanello que foi consertar e nunca mais retornou, tem mesa comprida com feijoada, arroz soltinho, couve temperada e canjiquinha que minha irmã adora. Na casa de minha infância comemos bolo de chocolate e meu irmão devora seus bombons com recheio variado, embalados em papéis coloridos. A casa de minha lembrança abre seus braços imensos e acolhe a família vinda de longe e amigos de todas as tribos. Na casa de minha lembrança o sol sempre brilha, mesmo entre a bruma da alvorada, aquece corações, pernas, braços e cervejas. A casa de minha infância guarda a trilha da cachaça, desbravada corajosamente pelo meu avô, aos risos escondidos das crianças. Na casa de minha lembrança o jipe atola na lama e só os mais fortes conseguem raiar o dia gargalhando dessas dificuldades. Na casa de minha infância desfilam os personagens da história – veludão azul marinho, a prima enxugando a calça debaixo do chuveiro, o timbau que chora muito antes de Brown se mostrar ao mundo, a estrelinha que pisca, mas não apaga, a avó de maiô marrom, fazendo pose de Bardot descoberta, a mãe linda, loura e poderosa ao sol, o pai com um livro na sombra, impedindo aproximação aventureira, o irmão que joga bola com os homens, o cão fila de 96 quilos, chamado delicadamente de Lobo. O mau. A casa de minha lembrança dorme hoje o sono tranquilo de missão cumprida, mas os ecos familiares vagueiam por aqueles campos para sempre nossos.

12 anos hoje

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Eu tive uma filha de quatro patas e pelo avermelhado que estaria fazendo doze anos hoje. Ela conseguiu tirar o melhor de mim em todos os sentidos. Fez-me rir com suas estrepolias e o olhar pidão, esteve presente nos momentos mais difíceis, queria aconchego e proximidade — e teve — e, com a cabeça deitada em minha perna, mostrava que tudo seria resolvido e a dor que eu sentia passaria — fosse o que fosse. Ela me ensinou a enxergar o mundo louco e tresloucado em que vivemos com mais gentileza. Foram muitas as histórias de companheirismo intenso e hoje sinto saudades de seu cheiro, do barulho de seus passinhos, do rebolar, da cara sonsa após travessuras, dos passeios, até mesmo do gelo que me dava quando eu descumpria algum trato ou horário costumeiro. Sinto saudades suas, Sheemarie. Esteja bem, iremos nos reencontrar.

1000 dias sem ele

Falaram para rezarmos missa para iluminar seu caminho, disseram para tocarmos a vida e aproveitarmos a mudança, mostraram os dias ensolarados e quentes, pediram para acendermos velas, pularmos ondas, jogarmos palmas no mar, batermos tambores, homenagearmos santos e orixás. Afirmaram que a dor diminui, enquanto a saudade aumenta, indicaram leituras amenas e os filmes mais recentes. Mostraram músicas novas e cantaram para nos fazer rir. Fizeram festas e deram-nos presentes.

Só se esqueceram de nos ensinar a viver sem você.

Papel craft

Nas ondas do papel craft embrulham-se livros, objetos e móveis, embalam-se vidas, passadas e futuras, enrolam-se desejos, saudades e esperança, envolvem-se fotografias tiradas há décadas.

Na cor única do papel craft unificam-se os tons de muitas casas, muitas gentes, outras cidades, de muito tempo.

Na impesssoalidade do papel craft depositam-se todas as pessoas que já fui.

Desejos para 2013

Em 2013,
Para os distantes, presença.
Para os europeus, longos braços pelo oceano;
Para os americanos, asas para os trópicos;
Para os que não vejo há muito, encontro;
Para os que vi e perdi, reencontro;
Para os não enxergo, saudade;
Para os que não entendem, compreensão;
Para as novas amizades, continuação;
Para os zangados, sorrisos gentis;
Para os felizes, eternidade;
Para os mestres, gratidão;
Para os que não desistem, firmeza;
Para os sempre presentes, amor;
Para as crianças, inocência;
Para os animais, cuidados;
Para a família, união;
Para cada um e todos, paz e saúde.