Tudo muda

A primeira vez em que li, ele se chamava Leon e sua Ana tinha só um ene. Naquele tempo, os russos eram traduzidos do francês para o português e se na tradução de uma obra de uma língua para outra já se perdem características originais como fluidez, ritmo, métrica, só para citar algumas, imagina traduzir a tradução.

Eu tive um professor que dizia que “mudar de ideia é evoluir” e aquilo ficou de tal forma marcado em mim, como uma ordem suprema, que insisti em seguir o seu mandamento para ver se eu conseguia me transformar um pouquinho. Para isso, travo constantes batalhas comigo mesma, sempre me perguntando: acertei? errei? gosto? poderei gostar? De três em três anos ainda provo dobradinha só para confirmar que não gosto. Acho que dessa nunca poderei gostar. Entretanto, tergiverso. Volto.

E volto à leitura de Anna Kariênina, agora com dois enes, não mais Karenina, não mais de Leon e sim de Liev Tolstói, em tradução do russo por Rubens Figueiredo, editora Cosac Naify, só para constatar que a forma mudou, mais bela, mais próxima do que poderíamos alcançar em uma tradução das tradições russas do século XIX, mas a essência que me arrebatou há tantos anos lá permanece.

Aviso para quem gosta de ler deitado: o livro pesa mais de um quilo, uma almofada no abdome se faz necessária.

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Rainer Maria Rilke – Cartas a um jovem poeta

“A senhora é tão moça, tão aquém de todo começar que lhe rogo, como melhor posso, ter paciência com tudo o que há para resolver em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma muito estrangeiro. Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez, depois, aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta. Quiçá carregue em si a possibilidade de criar e moldar – como uma maneira de ser particularmente feliz e pura. Eduque-se para isto, mas aceite o que vier com toda a confiança. Se vier só da sua vontade, de qualquer necessidade de seu ser íntimo, aceite-o e não o odeie.”

Benjamin

O filme de David Fincher, em cartaz nos cinemas, com Brad Pitt e Cate Blanchett é bom. Já ouvi críticas negativas que atribuo à imagem deslumbrante do ator, conforme os efeitos de maquiagem o vão fazendo rejuvenescer. Ele fica mais jovem do que realmente é e mais bonito. Talvez outro ator escolhido, a crítica fosse menor. Mas o contraste poderia não ser tão forte.

Mas não é somente sobre o filme que quero falar, é sobre o conto em que foi baseado, de F. Scott Fitzgerald, esse sim, magnífico. Dor, solidão, descoberta e abandono se confundem à medida que Benjamin novo-velho se transforma em velho-novo. A contradição entre desejos e consumação de vontades e a capacidade física chega a doer em alguns momentos. No conto, num realismo fantástico, Benjamin já nasce grande e velho. Velho em todos os sentidos. Conforme rejuvenesce o corpo, a mente acompanha sua involução e ele passa, já velho na idade, mas novo no corpo e imaturo no espírito a querer realizar o que não foi possível anteriormente. Situações ridículas e esdrúxulas acontecem àquele que involui. Chega-se a sentir pena, sente-se dor no estômago e a empatia gerada, no sentido psicanalítico da palavra, entre leitor e personagem é inevitável.

Veja o filme, leia o conto, disponível, em inglês, nos sites de obras em domínio público, ou na livraria mais próxima de sua casa. Imperdível.