Encho a boca com o primeiro gole de uísque do dia, desce forte e quente, bebo sem gelo. Dou o segundo e o terceiro goles e emito um som de repulsa e satisfação ao mesmo tempo. A lembrança do primeiro gole me vem à mente e encho novamente o copo. Caminho, ainda inteiro, até a varanda, sem sol, lusco-fusco, anoitece na cidade que não dorme. O segundo copo, em três longos goles, desce mais fácil e eu o encho pela terceira e quarta vezes. Sirenes me fazem olhar para a rua movimentada e imagino como seria me desequilibrar e cair do alto de 20 andares. Acho que viraria sopinha de gente e quebraria em mínimos cacos o copo de cristal que seguro, herança de família. O que seria pior? Limpar a sujeira de meu sangue espalhado pelo pátio da piscina ou encontrar os caquinhos de cristal que ferirão as crianças descalças que forem brincar quando a área for liberada? Oops! O equilíbrio foi embora, agora tenho que me escorar nas paredes para encher, talvez, já perdi a conta, o sexto copo da noite. Vejamos: o primeiro foi lá pelas dezoito horas e são… quase oito da noite. Nada mal… Not bad at all… Seis doses do mais puro scotch em menos de duas horas… Como não comi nada durante o dia, geladeira vazia, o efeito é mais rápido e como o álcool me afeta sobremaneira – será que sou um alcóolico? – já não falo coisa com coisa. Mas não falo nada, é só meu pensamento que ecoa em minha cabeça. Acho que o vizinho ligou uma música. Ou será que fui eu que deixei o aparelho ligado desde, desde… quando mesmo? Acho melhor me afastar da grade da varanda. Tropeço em meu caminho e o copo da família espatifa no chão. Rio, gargalho muito, lá se vai o conjunto completo… Conjunto completo, herança de família, nunca mais! Continuo rindo e pego outro copo, encho á está no fim, amanhã terei que lembrar de não andar descalço por aqui.