Um dia casei. De verdade, assinei papéis, conversei com o padre, jurei amor eterno. Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo, Praça XV do Rio de Janeiro, o gráfico que imprimiu os convites, orgulhoso, quis escrever o endereço todo só para usar os algarismos romanos da praça. Casei de branco, vestido lindo e véu moderno, esperei no carro dando voltas no quarteirão para chegar na hora marcada para os sinos badalarem. Sempre adorei sinos de igreja. Ainda paro para ouvi-los. No sinal, um menino de rua se aproximou do carro para pedir uma moeda e me viu, naqueles tempos os carros não usavam o filme escurecedor de vidros que hoje em dia carregam. Ele me viu e o sorriso que deu ao murmurar maravilhado: – uma noiva!… carrego comigo até hoje (terá sobrevivido à vida nas ruas?). Quando o carro arrancou, deu um tchau e correu de volta para sua calçada. Noite estrelada, sem riscos de chuva ou trovoadas, meio de junho de um ano perdido lá atrás. As portas imensas da igreja fechadas, convidados lá dentro, alguns do lado de fora ajudavam a arrumar o vestido, quarenta metros de tule embaixo da saia rodada, lindo vestido, quando o estilista desenhou para mim, veio com meu nome escrito. Era simples e chique, sem rendas ou bordados e com uns cem mini botões do decote à barra. Um laço imenso, atrás, dava um toque bem da época. O estilista e o irmão já morreram faz tempo, os dois de aids, em épocas próximas. Uma tristeza, eles eram ótimos. Minha prima veio do sul com uma roupa de parar o trânsito e uma história que até hoje arranca gargalhadas de quem ouve. As músicas todas trocadas, nada que havia sido combinado, acabei entrando com a que falei que não queria de jeito nenhum, porque me lembrava programa de auditório da minha infância. Nervosa do jeito que eu estava, ainda assim ouvi a música tocada-trocada. Meu pai me conduziu pela nave, parecia um deputado em eleição, orgulhoso, cumprimentando o povo, em direção a um noivo sorridente. Nada do que se faz hoje em dia eu quis, achava cafonérrimo: não quis cortejo de padrinhos, não quis desfile de convidados e se pudesse, acho que teria entrado pela sacristia. Não quis pétalas caindo na cabeça, não quis fotos no altar e as músicas que quis não tive. Houve uma época em que não se podia usar música popular em casamentos na igreja, e as opções eram poucas para meu gosto de então. O padre, amigo da família, fez uma missa emocionada que só fui assistir no vídeo, claro. E, tempos depois, meu irmão distraído gravou gols por cima na fita, cortando toda a entrada e minhas lágrimas de nervoso. No altar, uma madrinha de preto. Eu havia pedido: preto, branco, vermelho, roxo, não! Lá estava ela, vestida de urubu. Outra madrinha deu o cano na hora, um padrinho ficou sozinho no altar. Dos quinze, só restam cinco em minha vida. Os queridos morreram, os outros desapareceram na bruma da estrada. Na saída, acho que a tropa do altar veio atrás de nós dois, mas aí já não importava mais. Os cumprimentos demoraram anos, e eu lembrava de minha outra prima que dizia que colocaria um boneco agradecendo quando chegasse sua vez. Lembro vagamente da festa em seguida, sem música porque também achava cafona casamento com música. E naquele tempo era música, não era o funk de hoje em dia… O matrimônio não durou muito, mas a cerimônia, proporcionada por meus pais, perdura até hoje. É uma lembrança linda, que carregarei comigo.