Diz o Houaiss a respeito de ignorância e meu interesse reside nas duas primeiras explicações:
substantivo feminino
1 estado de quem não está a par da existência ou ocorrência de algo
Ex.: i. dos fatos políticos
2 estado de quem não tem conhecimento, cultura, por falta de estudo, experiência ou prática
Ex.: i. musical
3 atitude grosseira; grosseria, incivilidade
Ex.: é de uma i. incrível no trato com as pessoas
Pois bem, outro dia estávamos conversando sobre fatos que ignoramos até que sejamos instruídos sobre eles. Cada um deu exemplos diferentes que afetaram nossas vidas em momentos variados: um falou sobre o uso do cinto de segurança em carros – como foi criticado na época e como hoje se tornou um gesto automático ao sentarmos em um veículo; outra falou sobre a Lei Seca – de novo, reclamada pela maioria que agora usa o táxi, ou outro meio de transporte, para se locomover entre a cerveja e a casa; eu falei sobre os cães perigosos – já tivemos dois Filas bravos, imensos, pesados e a fêmea, certa vez, fugiu de casa com o portão mal fechado e pulou em cima de uma amiga que me esperava, rasgando a manga de sua blusa. Coloquei a fera para dentro e pedi desculpas. Ficou por isso mesmo, nem nos passou pela cabeça a carnificina que poderia ter acontecido; outros falaram sobre alimentos e agrotóxicos; alguém mencionou medicamentos.
Como a ignorância sobre os perigos e malefícios já nos fez errar, hein?
Ontem fui à minha dermatologista que luta bravamente para tirar as manchas de sol de meu rosto. A cada sessão, ela passa um palitinho nas manchinhas, que ficarão bem escuras e deixarão meu rosto marcado por uma semana, até que criem casquinhas e caiam. Durante uma semana, escondo-me do sol e dos outros, o rosto salpicado de manchas feias, que as pessoas olham, acham estranho, não perguntam e eu não digo nada. Ninguém tem nada a ver com o passado de minhas manchas. Durante uma semana eu amaldiçoo os dias de sol sem protetor, os mergulhos infinitos sem boné, a ignorância que nos impediu de cuidar melhor antes para não intervir tanto depois. O que mais ando ignorando em minha vida?
Alguns poetas exaltam a ignorância, a da primeira acepção misturada com a faísca de ingenuidade da segunda.
Talvez seja ela, Ignorância, a responsável pela felicidade de muitos.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Trecho de Tabacaria, de Álvaro de Campos.
Ju, muito lindo, como é lindo meu amor por FP e seus heterônimos ou alter ego. Amor de infância, cresceu comigo, ao qual continuo fiel, a este sim, sempre fiel. bjks