Eu e o outro eu

Ela abriu os olhos grandes e escuros e sorriu com a boca sem dentes para o homem grande à sua frente. Ele abriu os braços e ela se jogou em total confiança, aninhou-se e nunca mais sairia de sua segurança. Uma bola jogada na direção dos dois desviou a atenção da menina, que levantou a cabeça. – Deita, filhinha, deita – pediu o pai, com carinho, enquanto aconchegava a filha novamente na posição confortável para transportá-la pela areia quente, cheiro de maresia, em direção ao calçadão.

Ela não desgrudava os olhos da TV, assistindo a um filme com monstros violentos e destruidores, e não deu bola para ele que entrou na casa, com cheiro de comida recém-feita. Desligou a TV, pegou a filha, que reclamava, no colo. – Muito violento, filhinha, muito – respondeu ele, quando a menina se queixou de não assistir o final.

Ele saiu do carro e a ajudou a descer, com um vestido longo e comprido, deu um beijo em sua bochecha e pegou sua mão na dele, enquanto caminhavam pela nave da igreja cheia, com cheiro de flores, em direção ao altar. – Seja feliz, filhinha, bem feliz – encorajou o pai, enquanto se dirigia ao lugar reservado a ele na cerimônia.

Ela chegou em casa e o encontrou deitado na cama, coração parado, olho fechado, tempo mudo. Pegou as mãos do pai e as segurou por muito tempo entre as suas. Beijou sua cabeça, com cheiro dos cabelos grisalhos, deitou em seu ombro, e disse só para ele: – Dorme, paizinho, dorme. Em paz e até breve.

 

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