Mulher

Ela abriu os olhos e ainda não amanhecera. Levantou da cama na penumbra, acendeu a lâmpada pendurada pelo fio, entrou no banheiro descascado e sem enfeites, tomou uma ducha cantarolando. Depois se vestiu, prendeu o cabelo num arrumado coque e passou batom antes de sair. O morro estava mais agitado naqueles dias, mas ela já se acostumara com o medo dormente.

Abriu a porta, deu oi pra vizinha, conversaram sobre o churrasco de aniversário no domingo. Combinaram o que levariam e trocaram ideias sobre as roupas que usariam. Começou a descer a rua, que estava mais movimentada naqueles dias, mas ela já se acostumara com o medo cansado.

Caminhando em seu ritmo, repassou mentalmente o que a esperava no laboratório em que trabalhava. No dia anterior, uma cliente mal-humorada tinha escrito uma reclamação sobre uma das atendentes e ela, como supervisora, teria que resolver o problema com muito jeito. Enquanto caminhava, pensando na resposta, percebeu um número maior de policiais nas vielas que estavam mais cheias naqueles dias, mas ela já se acostumara com o medo incômodo.

Apressou o passo, pois queria falar com a amiga na padaria antes de seguir para o trabalho. O sapato novo, parte do uniforme do laboratório, apertava seu pé e ela pensou que, no fim do dia, teria uma bolha para cuidar. Ouviu o barulho que vinha do alto do morro, que estava mais violento naqueles dias, mas ela já se acostumara com o medo desagradável.

Enquanto andava, sentiu um beliscão nas costas, ao mesmo tempo em que caiu no chão. Fechou os olhos, o sangue escorreu pela calçada que estava mais apinhada naqueles dias, mas ela já se acostumara com o medo da vida.

 

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