Pela rua

Vivi a maior parte de meus dias pelas ruas, caminhando sem destino, sem lugar quente para chegar quando escurecesse. Mexi em lixo para me alimentar, convivi com outros invisíveis como eu, me escondi da chuva e me encolhi no frio. Passei a maior parte de meus dias fugindo de gente malvada, que queria me usar para conseguir uns caraminguás, que não me dariam sustento. Muitos olhavam para mim como um cão sarnento, como uma criança remelenta. Alguns atiravam latas em mim como em um cão de rua, como em uma menina sem lar. Um dia peguei barriga. Tudo piorou. Poucos me olhavam com desprezo como para um cão sujo, como para uma menina empiolhada. Pari morto. Deixei o rio levar como leva um filhote de cão ou um feto com cordão. Continuei vagando pelos cantos, cada dia mais fraca, com uma pata com bicheira, com um pé em carne viva. Cada vez mais fraca para conseguir comida, deitei embaixo de um papelão num terreno grande e abandonado como eu. Fiquei lá, enroscada em mim mesma, barriga úmida no chão, tetas inchadas de leite não bebido, cocei o pelo, mexi no cabelo, lambi a pata ferida, toquei o pé mutilado, suspirei e fechei os olhos.

 

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