Qualquer dia desses

Já era meio-dia e ele não conseguia se concentrar no trabalho, tinha uma carta de despedida para escrever. Após tantos anos juntos, não tinha mais coragem para tentar uma conversa com Juju: ele começaria o assunto, ela abriria um pranto, ele ficaria comovido e a vida continuaria sem cor.

Desta vez, não teria como voltar, estava tudo planejado. Pródigo escreveria a carta, mandaria o auxiliar da empresa entregar no momento em que ele já tivesse embarcado para o congresso para o qual fora convidado. Depois do evento, passaria um mês fora, de férias, e quando retornasse o fato já estaria consolidado.

Pensou nas palavras, exaltou os bons momentos que passaram juntos e explicou que o amor tinha acabado. Eles tinham que seguir separados. Colocou no envelope e deu as instruções de endereço e hora de entrega para o rapaz. Antes da hora seria um pesadelo.

Ela telefonou para ele antes que ele saísse para o aeroporto e Pródigo foi lacônico como sempre, desligou e entrou no táxi que já o aguardava.

No avião, pensou na carta e revisou mentalmente o conteúdo; concluiu que tudo estava ali, bem claro. Não queria mais.

Na hora marcada, o auxiliar do escritório pegou a pasta com a carta. Faria um desvio em seu caminho para entregá-la em mãos, mas de moto não era difícil nem demorado, logo estaria em casa.

No avião, Pródigo bebeu um vinho e começava a relaxar. Estava livre.

No trânsito, o auxiliar teve que parar a moto numa blitz e reclamou da demora. Eram muitas motos sendo paradas.

No avião, Pródigo jantou e, após quatro copos de vinho, sentiu sono.

Na blitz, o auxiliar teve a moto apreendida porque a polícia quis.

No avião, Pródigo acordou sobressaltado com a turbulência, que estava muito forte.

Na blitz, o auxiliar discutiu com a polícia e foi preso.

No avião, o comandante informou sobre o problema que enfrentavam e pediu calma.

Na delegacia, o auxiliar perguntou pela moto e por seus pertences.

No avião, as portas dos compartimentos de bagagem se abriram e bolsas e malas caíram no chão.

Na delegacia, um sujeito gostou da pasta do auxiliar e a levou para o filho em casa.

No avião era o caos.

Na delegacia, o auxiliar ficou preso por desacato.

O avião saiu do radar dos operadores de tráfego aéreo.

Na igreja, Juju recebeu os pêsames como se viúva fosse. A casa de Pródigo ficou para ela, pela união estável que viveram.

No trabalho, o novo colega de Juju soube do acontecido e chamou-a para um cinema, um jantar, qualquer dia desses. Juju, ainda triste, disse que sim. Qualquer dia desses.

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