Mais um carnaval…

Nada mais atual que a música de Chico, mais um carnaval para nos distrair das mazelas do país, nossa mãe não gentil, com a brava gente brasileira que quer a pátria livre sem morrer pelo Brasil. Vamos lá, pátria amada, idolatrada, salve salve, salve-se quem puder.

Até o próximo carnaval

Carnaval sempre foi assunto sério em família. Brincamos o carnaval desde pequenos, em suas mais diferentes formas, blocos de rua, bailinhos de salão, escola de samba, festa em casa. Papai inventava blocos que nunca saíam de sua imaginação e de sua gaiatice: BBMB foi o Bloco dos bolas murchas das Braunes, um bloco implicante com filhos e sobrinhas adolescentes que sambavam nos bailinhos até o dia amanhecer, seguiam para a canja da sustância, no restaurante do clube, e passavam o dia dormindo, restabelecendo forças para a noite seguinte. Empurra que pega veio depois, ninguém empurrou, o bloco não pegou e ninguém saiu das brincadeiras em casa. Meu padrinho não viajava para férias em família sem o timbau, muitos anos antes do instrumento correr mundo no ritmo da timbalada. Batucava e fazia contraponto com a mão da aliança, era um som único para nós. Eu cresci com o rock na cabeceira, mas carnaval era outra coisa, outro momento, era a nossa folia. Alguns anos depois, papai foi o chef que preparava os melhores sanduíches para depois dos ensaios do Suvaco do Cristo, aos domingos, no Horto. Mangueirense, torcia pela escola como para o próprio time de futebol, sempre com muita parcialidade, chegou a ligar para mim, de férias no México, só para dizer que Mangueira havia sido a campeã daquele ano.

Vivi outros carnavais divertidos em ensaio da Portela, no ensaio do Salgueiro com Bono na pista e meus amigos tentando o suicídio coletivo por insolação ou correndo atrás da calota perdida em direção a Tiradentes em carnaval já relatado aqui. Sassaricando na Glória e com Monobloco na Cinelândia. Vivi muitos carnavais, sinto saudades deles e anseio pelo próximo em que estarei presente.

Faz dois anos que o carnaval passa pela esquina e não me carrega. Vejo a alegria do povo nas ruas, me divirto com algumas fantasias, torço para a chuva não estragar a festa, escolho um livro e fico quieta no meu canto. Quem sabe o próximo me arrebatará.

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Os Filhos de Beibe

Pisquei os olhos e se passaram dez anos. Fomos os Filhos de Beibe, nas colinas das minas gerais em cinco dias de folia, gargalhada e suadeiras. Os causos ficaram como recordações suaves de tempos sem descanso. A partir daquela data, como em um pacto descombinado, os quatro companheiros, mosqueteiros em viagem, mudaram suas vidas, seus destinos, os programas, os afetos, suas casas, os trabalhos, as famílias. Só as músicas permaneceram.

Riroca e Pedrobaby procriaram, não um com o outro, que Deus é grande, mas com seus respectivos digníssimos; Zébelê resolveu aparecer quando Nanashara estava pintando-pintada de verde dos pés à cabeça; Nanashara desapareceu de tudo como bruma em noite de serra. Só as fotos permaneceram.

Riroca e Nanashara mantêm contato permanente. Riroca, Pedrobaby e Zébelê mantêm contato esporádico. Pedrobaby liga uma vez por ano, na véspera do seu aniversário, para ganhar presente; Zébelê continua um enigma risonho; Riroca continua encantando e Nanashara voltou a escrever. Os quatro mosqueteiros, ex-companheiros de viagem, combinaram almoços, lanches, passeios e risadas que nunca se concretizaram. Só a vontade permanece.

Diário de Terra II – Carnaval 1999

Carnaval 1999 – Tiradentes, MG

Introdução
Cheguei cansada e faminta ao Manolo, onde os três já me esperavam para combinarmos o carnaval, faltavam duas semanas e ainda não havíamos decidido se iríamos para o sul, para o norte ou oeste do país, sendo leste só água.Oi…tô com fome, tô com sede. Sentei, para levantar na mesma hora, tenho que lavar as mãos, a vontade era de me enfiar debaixo de um chuveiro, com água bem fria. E aí? Praonde a gente vai dessa vez? Nós resolvemos que vamos para Tiradentes, voltamos no domingo para desfilar na Portela, fantasiados de torresmo e voltamos novamente para Minas. Olhei para os três, rindo, tá bom, sério, qual é o programa? É esse mesmo. A gente vai e volta e vai de novo. Dessa vez olhei séria, vocês tão brincando? Risos… Não, é isso mesmo. Vamos voltar só para desfilar na Portela.Achei que era alucinação minha, mas eles falavam a sério. Depois de tanta reserva, marca-desmarca, pesquisas, pedidos, o programa estava feito, ali, na minha frente. Um chopp e uma pizza, por favor. Liga para organizadora, medidas de todos, pagamento da fantasia, encontro, detalhes. Ah! E reserva a pousada tipo hotel-fazenda, lá em Tiradentes. Mais uma reserva…

Quatro dias de Folia

Domingo de carnaval em Tiradentes, com R, Z e PB. Enquanto os três se divertem nos jogos disponíveis na pousada, encontro-me ao sol, pensando na vida e escrevendo o Diário de Terra II.

Ontem mesmo, no almoço, conversávamos sobre emoções, atitudes, relacionamentos, essas coisas que nos movem e fazem nossas conversas femininas girarem sozinhas. Como os homens têm pouca tolerância ao assunto! E no entanto, eles são parte da roda que gira por si mesma.

A combinação carnavalesca deste ano é algo digno dos 20, a vinda a Tiradentes, descida para o Rio para desfilarmos na Portela, com outros 40 amigos e conhecidos, retorno novamente quando acordarmos e descida final na quarta-feira.

Chegamos em Tiradentes na sexta, ou melhor, já sábado de madrugada, após uma viagem divertida, com muita música e os critérios de escolha variando conforme a vez. PB, o infrator, mudava as regras do jogo a cada volta. No início era uma música, aumentamos para quatro por pessoa, mas como ele nunca sabia a ordem das músicas no CD, acabávamos ouvindo muito de cada uma. R resolveu tomar conta e a guerra ficou acirrada. Ela adiantava, ele voltava ao início, ela mudava de novo, ele voltava mais uma vez e assim ia até que ninguém aguentava mais.

Em Tiradentes, fomos direto ao centro histórico e ali começou o período do bicho tá pegando, the animal is taking, getting, picking, catching, whatever, que nos acompanhou por todo o período. Reinava uma folia adolescente na pracinha, onde ficamos mexendo as pernas até às três e meia, depois de termos levado o coice do king-kong plantonista do banheiro. Minha revolta foi de tal forma que, mesmo anti-violência, naquela hora, tudo o que eu queria era ter mais um metro de altura e de largura. Engolimos o desaforo e procuramos outro bar, para as cervejas da madrugada. No fim, fomos para a pousada, já rendidos ao sono que seria sempre breve pelos próximos dias.

Sábado, fomos dar uma volta e acabamos dentro da Maria Fumaça, que leva meia hora para vencer os 6 quilômetros até São João Del-Rey. Em São João, R e eu fomos ver o Teatro Municipal, onde tivemos o prazer de conversar com o Secretário de Cultura da cidade, senhor já de idade e ainda apaixonado pela história e as nossas coisas. Ele nos explicou as dificuldades que enfrenta para conseguir restaurar o teatro, de 1800 e qualquer coisa, muito mexido e em mal estado de conservação.

Enquanto isso, do lado de fora, os dois rapazes, nossos dignos acompanhantes, eram “espreiados” com tinta prateada e se recusaram a contar como a pintura havia sucedido. Coisas dos homens, cheios de mistérios.

Pegamos a Fumaça de volta, R e eu conversando, enquanto os dois dormiam e babavam, tentamos tirar uma foto, mas o Z deve ter adivinhado, tal a forma que amarrou a máquina ao próprio pulso. Em Tiradentes fomos em busca de água, numa prometida cachoeira. Encontramos longa andança e muita lama no caminho. Quando, enfim, chegamos, a cachoeira era bica e os espelhos d’água eram banheirinhas. Sedenta e cheia de calor, quase desisti, mas acreditei e quando subimos mais um pouco, achamos um laguinho divino que foi só nosso pela próxima hora.

O mergulho naquela água fria, de fonte limpa, ajudou a revitalizar corpo e espírito. A volta ao carro foi mais fácil e seguimos caminho até uma estalagem para almoçarmos. Feijão tropeiro, tutu, tudo a que temos direito, estando em Minas. Foi o almoço da “conferência”, como o Z chamou a nossa conversa sobre emoções, que acabou se transformando em vida de PB.

Um descanso providencial nos deixou acordados novamente para as festas da noite. Tequila, limão e sal para os foliões, no quarto masculino, promessas de uma noite animada e risonha. Encontramos uma praça cheia de adolescentes e gente feia, culminando no desdentado que sorriu para R e ela quase desmaiou de susto, mas não foi impedimento para a folia entre nós. Outro amigo nos encontrou também, e por algum tempo ficamos os cinco, juntos, dançando.

Choveu um pouco e nos abrigamos num restaurante onde, às duas da manhã, resolvemos comer alguma coisa. Uma hora mais tarde, R e eu ficamos na pousada, enquanto os dois guerreiros seguiam em busca de mais ação em São João. Disseram-nos que voltaram às 6 horas, cheios de álcool e lanças inteiras.

A viagem no domingo, para o desfile, foi tranquila. Levamos menos de quatro horas, Z dirigindo e mirando os buracos na estrada para amaciar o carro novo de PB. A cada um que acertava, ouvíamos os gemidos e lamentos do dono da máquina. Mas o melhor foi o próprio PB, correndo de chinelos, cheio de coragem, enfrentando caminhão, em busca da calota perdida. Pedimos bis.

Chegamos no Rio e fomos almoçar em minha casa, para não perdermos muito tempo e buscarmos as fantasias que estavam lá. Foi a grande sorte, pois Z esqueceu a chave de sua casa em Tiradentes e não teve como entrar. Se a fantasia estivesse lá dentro, quebrava ou ficava quebrado.

Mais tarde, A, S, os dois e J foram nos encontrar, com tequila, whisky, pilhas para a noite que prometia. A ida a pé até o metrô, nós fantasiados, foi bárbara. As pessoas nos paravam na rua, perguntavam qual a escola, diziam boa sorte, todos sorriam. A fantasia era uma estrutura nos ombros, com panos pendurados, alegorias imitando linguiças, panos de prato, biquini por baixo e na cabeça, um imenso chapéu, com folhas de couve e um leitãozinho. O motivo era a cozinha mineira. Tudo absolutamente horroroso, mas fazia um efeito interessante de longe, no conjunto e sob os holofotes do sambódromo.

Saltamos na Central e fomos andando até a concentração, onde encontramos muitos dos nossos. Foi uma farra indescritível, muito riso e alegria contagiante. No meio da farra, o flash da noite, visto por mim e devidamente relatado a R, mas não dá para registrar para a posteridade. Esse flash vai embora comigo e com quem mais sabe.

Normas rígidas imperavam na concentração. Não podíamos beber dentro do cordão, o que só incentivou Z a infringir e sumir por bastante tempo. Disse-nos que tentou ver o esquenta da bateria. PB sambava para todos os lados e J estava apavorada de se perder de todos. S alegre, A e R amorosos. Éramos 45 pessoas minimamente conhecidas na ala.

Por volta das 23 horas, o foguetório deu início ao desfile. A emoção começou, o coração pulsou mais forte, os carros começaram a andar e as alas eram revistadas, fantasias inteiras e nenhuma bebida na mão. Quando fizemos a curva, da presidente vargas para o sambódromo, aquele soco no peito, a multidão nas arquibancadas, a festa, o batuque, a vida parou ali, transformando sonho em realidade, encantando e marcando para sempre aquele momento inesquecível.

Durante o desfile, idas e vindas, diagonais no samba, dança com um e com todos, alegria, muita alegria, acabando 30 minutos depois. Como é rápido atravessar aquela avenida. Corpos suados, mentes em delírio, o encontro no fim, o despir das fantasias, peitos e pernas à mostra, a caminhada até o metrô de volta à casa.

Na estação, à espera do trem, todos jogados no chão, quase nus, acabados, emocionados. Dentro do vagão, muitas fotos da máquina de sei-lá-quem, que ainda hei de ver. Em casa, alguns tomaram banho, outros não, fomos para uma festa que só descobri ter direito a piscina quando lá cheguei. Já estava fresca e não fiquei muito tempo. Z foi comigo, R com A, PB, trêbado, solo, S e J idem. Perto das três, achei que já era hora de sair de campo e encontrar meus sonhos.

No dia seguinte, segunda-feira, acordei pensativa, como haveria de ficar pelos próximos dois dias. Por volta de uma da tarde, começamos a voltar a Minas. Era realmente uma aventura digna dos 20 anos e a impressão que eu tenho é que estávamos por lá. A viagem foi tranquila, sem trânsito e fomos direto para a praça. Estávamos famintos, PB queria almoçar churrasco de seis reais na estrada, mas conseguimos convencê-lo que a comida mineira cairia melhor. Almoçamos no “Vai Nessa”, não lembro o nome do restaurante, apenas do garçom que nos atendia e repetia essa frase para qualquer coisa que disséssemos.

Demos uma volta pela praça, tomamos café e chegamos no hotel já noite. Dormimos um bocado e lá pelas dez, decidimos sair para a folia. Desta vez, a tequila pré-farra foi no nosso quarto, pela absoluta impossibilidade de entrarmos nos aposentos pebelinos. Isso me faz recordar que não posso deixar de mencionar os blurps, hics, cács e grogues, emitidos em sinfonia pelo nosso amigo PB. Nossa viagem ficou marcada pelas músicas, das quais falarei mais tarde e pelos “sons” de PB.

Ficamos um pouco na varanda do ping-pong, tentando ver os raios do temporal que caía longe, bebendo tequila e falando bobagem. Como chovia muito, resolvemos ir a um bar com música ao vivo que já tínhamos visto à tarde. Conseguimos uma mesa e ficamos decidindo os drinks e o que comer. Dançamos um pouco e rimos muito, muitas estórias e Z resolvendo que éramos filhos de Baby, Zabelê, Pedro Baby, Riroca e Nanashara. R, como sempre muito implicante, imediatamente criou a corruptela de Bundalelê e Z, troféu “teasing” de todos os tempos, contra-atacou, corrompendo a Riroca para Raralho.

De certa forma, incorporamos as personagens e o auge foi a entrada de uma mulher com uma peruca completamente espetada, de diversas cores. Mamãe, gritou Zabelê, de braços abertos para a figura, mas sem que ela o visse. Depois de alguma folia, R que havia passado o dia suspirando, saudosa e feliz, rendeu-se aos encantos de Morfeu e largou-se, dormindo no sofá. Z, sumiu por bom tempo, PB e eu conversamos até que ele resolveu dar seus tiros, sem os quais não conseguia passar uma noite. Com o retorno de um misterioso Zabelê, resolvemos ir para o hotel. Ele foi nos deixar, contando que havia ido investigar o outro bar, onde rolava o show de uma cantora e poderia ser um bom programa para a noite seguinte.

Depois de nos deixar no hotel, voltou para pegar PB. O resto da noite só eles sabem. E homens têm aquele pacto do “ninguém ronca”- estória do reveillón passado em Angra.

Terça-feira de carnaval, acordei com uma dor de cabeça que não tinha forma de passar. R falou que era ressaca, eu acho que era das lentes de contato. Pedi a ela para não comentar nada com eles, no entanto, a primeira pergunta que PB fez, que cara é essa? devia estar realmente com uma expressão horrível. Ficamos na piscina, PB foi dormir e Z foi ver móveis pela cidade. Lá pelas tantas, ele já de volta e PB desperto, fomos passear pela cidade. Andamos a pé pelas ruas, vimos a Matriz, tiramos fotos, entramos na casa do inconfidente Padre Toledo. Visitamos as igrejas dos pardos e dos escravos, onde PB encontrou uma amiga do Rio. Mais passeios e fomos fazer a reserva para o show no bar descoberto na noite anterior, muito interessante, decoração charmosa, linda vista, com o dono nos contando e mostrando, com orgulho, a sua casa.

Almoçamos na mesma rua e conversávamos sobre vida e emoções quando houve uma das grandes cenas da viagem. Z falava sobre mulheres que ficam famosas e dão o pé na bunda de seus maridos, PB comentou sobre segundos casamentos que dão certo e eu brinquei, mostrando com os dedos que, no meu caso, seria o terceiro. Ele, então, para mim, num ato falho disse – Você, depois que ficou famosa, deu a b… e… todos perceberam o que ele havia dito, eu exclamei, PB, qualé, R gargalhou e Z quase caiu no chão de tanto rir. Não parávamos nunca mais. Até agora, quando lembro, volto a rir.

Depois do almoço, fomos andar pela praça, eles queriam se enfiar num bloco que dava voltas, nós duas queríamos paz, marcamos uma hora de encontro e fomos para o carro. Pouco tempo depois, chegaram os dois e fomos de volta à pousada, para descansarmos um pouco antes da noite.

Voltamos à cidade e fomos para o bar, já cheio à hora que chegamos. Fomos para a nossa mesa reservada e R e eu bebemos whisky, enquanto eles bebiam cerveja e outros drinks. Com o nosso pedido, Z descreveu como seria a cena de nosso retorno à pousada bêbadas, de gatinhas, sem blusa e descalças, sapatos numa mão e cigarro noutra. Viagem sideral.

PB pediu um “ovni” de coloração azul que rendeu o outro grande acontecimento de risos. Entretido no show e de costas para a mesa, não viu quando R pegou o seu copo e escondeu, Z encheu outro copo apenas com a bebida azul (sem álcool), eu coloquei o copo no pratinho original, R o canudinho no lugar e ficamos à espera. Z teve um ataque de risos que o obrigou a levantar da mesa, nós duas rimos muito e PB não entendia nada. Lá pelas tantas, olhou o copo e fez uma cara de grande reconhecimento. Mas ele achou que tivéssemos bebido o drink. Pegou o copo e começou a beber o que tinha no copo, sem reparar que havíamos trocado. Quando ele acabou com a bebida, Z falou que gostaria de ter provado o drink e R esticou o copo original, serve esse aqui? Foi, então, que PB percebeu o que havíamos feito. Gargalhadas quase atrapalharam o show que já havia começado. Na saída do bar, depois do show, o encontro com um amigo efusivo, cheio de alegria por nos ver lá.

Fomos para outro bar, mas estava devagar para uma terça-feira de carnaval, ou melhor, para qualquer dia da vida, pois um bar com música ao vivo que às duas da manhã manda um “sentimental eu sou…” é dose. Z ficou na praça, PB foi nos deixar na pousada. As duas dormimos mais de quatro horas, pela primeira vez em cinco dias.

A quarta-feira amanheceu tranquila, muita gente indo embora cedo, nós demorando a acordar. Eles quase perderam o café, eu já havia batido na porta, mas não ouvia resposta, R, então, perguntou se eu achava bom que ela fosse “esmurrar” a porta do quarto e eu disse sim, eles resolvam depois se levantam ou não. Chegaram na última badalada e ainda conseguiram comer conosco. R, Z e eu fomos para a piscina, enquanto um exausto PB voltou para a cama.

Mudamos de lado na piscina, R e eu no sol, Z na espreguiçadeira e na sombra, travesseiro na cabeça, uma moleza que fazia gosto. Comentei que achava ter sido mordida por pulga no quarto, ele disse que pulga não existia mais e R, tem certeza? Pulga pode ser um animal em extinção, mas eu vejo sempre por aí…Como ficou marcado em nossa temporada carnavalesca, as mulheres e principalmente as muito amigas, têm uma linguagem própria que somente nós entendemos. Para desespero e profunda curiosidade deles, além da linguagem verbal específica, conseguimos estabelecer longos diálogos telepáticos, emitindo opiniões e tomando decisões sobre o que, com quem, como, onde e quando fazer qualquer coisa.

Mais tarde, acordamos PB, fomos para a cidade, vimos uma outra pousada que também fica afastada, fomos para a loja de móveis, onde Z encomendou sua mesa, palpitamos, vimos o armário que podia ser um bar. Voltamos para a pousada, tomamos banho e arrumamos as coisas para seguirmos viagem. Resolvemos almoçar em Tiradentes e só saímos de lá às 18 horas.

Durante o almoço, retrospectiva dos dias, as melhores piadas, R e eu nos olhamos e pensamos sobre as estórias que só nós sabemos, eles não entenderam, foi mais engraçado ainda, pois não sabiam do que ríamos. Lá vêm vocês novamente com essa lingua que a gente não entende…Rimos mais, enumeramos as situações, a fama, o drink, filhos de Baby. Falamos também sobre as músicas do período, parque da juraci e lenha, resposta, give me love e ainda lembro, patience, sweetest thing, linha do equador e pierrot, olodum, nando reis, titãs, ciclete e outras, muitas outras..

O retorno foi como qualquer outro, cansados, mas felizes. R e eu fomos comer pizza na Cobal, falamos mais e mais. O assunto, inesgotável como a própria vida, enquanto nos dispomos a vivê-la e não apenas contemplá-la. Emoções, sentimentos, ações, a vida encantada.

Até o próximo carnaval.

Diario de Terra I – Carnaval 1998

 Voltamos para o hotel e para a praia com mar azul, azul, lindo como sempre sonho com ele. Mergulhos de alma e coração, energizando para todo o ano de 98 e inspirando bons sentimentos sem deixá-los escondidos no fundo de algum lugar que já nem sei.

Reencontramos na praia o americano com nome do meu perfume descontinuado, conversou pouco conosco, antes de irmos para o jungle tour – passeio de jet ski com mergulho em “mares de coral”. Como disse B, realizei três vontades antigas hoje: pilotei o jet ski, mergulhei vendo o fundo do mar e entornei meio dedo e tequila que me queimou o estômago e me deixou sem fome o dia inteiro.

D, no passeio de jet ski, meio falante, meio muda de pavor, comportou-se mui bien como minha carona. No início, fiquei apreensiva, já que era a primeira vez que dirigia aquilo. Depois peguei o jeito e o negócio melhorou. Adorei.

No momento em que escrevo, estamos em um dos bares temáticos do hotel e, de acordo com B, somos as únicas que não usamos pulseiras de livre bebida. Os outros estrangeiros estão com as coleirinhas que os permitem beber até cair e nós pagamos cada cerveja consumida. – a preços turísticos. Passou por nós, um americano saradão, cantando “I’m a barbie girl”, que cena! A noite, que ainda está só começando, não sabemos como será.

24 de fevereiro

Dia lindo, com sol forte e apenas algumas nuvens para embaciar o humor. Já fui dar minha saudação ao senhor mar, que hoje está bem mais forte que ontem. Bandeira vermelha nos impedindo de entrar. Molhei a mão e pedi à Iemanjá de todos os mares que nos proteja e nos dê a capacidade de sorrir sempre. Muito triste quem não consegue aproveitar os momentos maravilhosos que a vida proporciona, se apegando a coisas más. Sorrir sempre!

Aliás, foi sorrindo que, ontem, ao fim da tarde vimos um Peter Pan envelhecido entrar no bar em que estávamos – S – e passamos pela menina aprendendo a jogar tênis, com a quadra coalhada de bolinhas amarelas. Parecia um céu invertido, cheio de estrelas redondas, brilhando aleatoriamente para quem passasse.

Após o banho, um périplo by bus até o P’s, restaurante mexicano para turista ver. Garçons que pregam peças, danças e cantorias, tequila e margaritas, cerveja Sol e tudo a que temos direito. Serviço meio demorado para a fome que estávamos e para a ansiedade pelo muito por fazer.

De lá, após brigar com meu sono e ele quase vencer por instantes, fomos parar numa fila ventosa e fria em frente à LB. Não conseguimos ficar. A fila não andava, o frio congelava os ossos e resolvemos continuar em frente. Chegamos à CB, uma super disco, cheia de gente dançando sem parar, com alto astral. Cerveja Sol, conversas e encontros com outros hóspedes de nosso hotel.

A impressão que tenho é que Cancún virou território norte-americano. Muita animação e dança até o joelho doer. Após a dor, mais dança. Não dá para ficar parada. Parada, durmo. E já combinamos, as três, dormir mesmo, só no Rio, quando voltarmos. À saída da CB, tentamos o SF’s, um bar dançante já desértico àquela hora. Dúvidas sobre o que fazer e o sono, rei e senhor, foi profundamente aproveitado.

Hoje, terça-feira, 24, café mais tarde e uma dúvida intensa sobre o que fazer e aonde ir. Difícil contentar todos ao mesmo tempo. Pela hora tardia, resolvemos descansar na praia e reservar o carro para Tulúm e Xel-Há para quinta-feira. Amanhã já combinamos o passeio a Cozumel.

D, B e eu andamos, sem rumo, pela areia, voltamos e agora estamos estirados. Todos no sol, eu mais ou menos à sombra. Penso. Todos me perguntam o que escrevo. Um diário de terra. Impressões. Com esse mar à nossa frente e a música techno de um mexican guy chato, gritando ao microfone, fica mais difícil deixar o pensamento fluir.

Mas ele viaja. De vez em quando, volta ao Brasil, começa lá por cima e vai descendo, sempre pelo litoral, até chegar ao Rio, cidade do coração. Vai ao Sul e retorna ao Caribe. Afinal, estou viva e a vida acontece aqui e agora. Olho ao redor e fotografo com a memória o quadro, como aprendi a fazer, anos atrás, naquela janela em San Diego.

À minha frente, um sujeito está pendurado num parapente, puxado por uma lancha, planando lá no alto. Imagino o pensamento que existe lá em cima, preso apenas por um fio. Como já me senti. Presa por um fio. Não mais. Agora, pés, mãos, corpo e alma me levam pela vida para aproveitar os sorrisos proporcionados. Muito bom.

Mais tarde, já na piscina quilométrica do hotel, B solicita-me que faça a anotação que Blade Runner está à nossa frente na outra margem. Sinto um interesse disfarçado. Deixa o Blade Runner aparecer pela frente para ver se o tubarão carioca com sangue alagoano não ataca. Ataca, tira pedaço e só deixa os ossinhos não digeridos.

25 de fevereiro

Fim do dia no ferry boat que nos levará de volta a Cancún, após um dia de muita água e peixes em Cozumel. O entardecer é lindo, mas hoje fica para depois. Falta contar a noite de ontem, terça-feira.

Depois da piscina, B, D e eu fomos ao shopping ver coisas. Passeamos e trocamos dinheiro, além de fazermos um lanche rápido. Aprendi, no primeiro dia, que as meninas não comem e eu sinto fome nas horas certas. Isso quer dizer que passei fome nos dois primeiros dias, porque nunca estávamos em algum lugar onde eu pudesse me alimentar nas horas costumeiras. A partir do meu aprendizado, passei a aproveitar qualquer momento em que houvesse onde e o quê comer, para não ficar com fome mais tarde.

De volta ao hotel, nos arrumamos para o jantar – oba, mais comida! – Jantamos no S’s, restaurante italiano. Fomos nós três e outros quatro amigos que estavam viajando conosco. Como eu já havia me fartado no lanche, pedi apenas um minestrone, bem gostoso, por sinal. De lá, partimos para o SF’s, onde colocamos no pulso, uma pulseira que, mais tarde mostrou-se quase impossível de ser retirada, e compramos um copo longo e engraçado que consegui guardar na mochila.

Depois de lá, B, D e eu voltamos ao S’s, o mesmo da primeira noite em Cancún, ainda não relatada. Novamente, não gostamos do local. Por que fomos, então? Dúvidas sobre aonde ir e acabamos na fila da D’O, onde reencontramos o restante de nosso grupo. E B encontrou L, o meu perfume, afinal existente. Após uma espera não muito longa, mas eterna para a nossa curta paciência, entramos no templo da dança e conseguimos um lugar privilegiado, só nosso, onde nossos corpos bailavam sozinhos ao som das músicas.

O sono estava estacionado do lado e fora, à nossa espera, enquanto a estória que não existia, começava a se formar lá dentro. Não dá para falar tudo, então sugiro a música “samedi soir sur la tèrre” de Francis Cabrel, para ilustrar a noite caribenha. Fomos dormir às quatro e duas horas depois, a telefonista do hotel martelava nossos ouvidos para recomeçarmos o dia.

Sonâmbulas, mas decididas, fomos ao café e às 7h30min entramos em nosso transporte para Cozumel. No trajeto de ida, a surpresa, pela segunda vez. Na verdade, o que compramos não era aquilo mesmo. Mais dólares para o passeio completo. Fomos para um barco que nos levou para três recifes de coral. Milhares de peixes de cores indescritíveis e o mergulho de superfície, com máscara. A visão ao vivo e a cores de uma moréia, pertinho de nós. Sensação maravilhosa e experiência fantástica. Amei. No barco, comida mata-fome cozinhada e servida pela tripulação e uma soneca ao balanço das ondas. Acordei ao som da macarena. Onde estou?

O mar é um mundo à parte. Desconhecido e surpreendente, exerce um fascínio sempre crescente e um sentimento de aconchego e compreensão. É como se ele me abraçasse e me recebesse com um sorriso amigo. A sensação quando o vejo e o toco, quando mergulho e furo suas ondas é que ele vai buscar energia no centro da existência e me transmite naquele momento de contato. É a renovação, a continuação e o infinito.

Noite de quarta-feira – fomos os sete jantar no PO’B, um bar restaurante de New Orleans, com música e garçons piadistas. Aliás, parece ser qualidade fundamental para a profissão por aqui. Piadas, risos, intimidade e dança. Porque todos dançam. Sobem no balcão e realizam coreografias ensaiadas. De lá fomos a vários locais, e terminamos na CB, a que mais gostei, entre todas. B e D sonolentas, pulga dançando, voltamos para o hotel mais cedo.

26 de fevereiro

Quinta-feira, fomos o sete alugar dois carros para irmos ver as ruínas de Tulúm. Estrada ruim, levamos hora e meia para chegarmos. À beira do mar, aquelas pedras que já significaram vida para alguém, estão imponentes, esperando a nossa visita. De acordo com as informações, a cidade deixou de ter vida há 450 anos. Praticamente o mesmo tempo de existência do Brasil. Um lugar morria, outro nascia.

De lá, fomos visitar Xel-Ha, um parque com uma lagoa construída com ligação para o mar. Nadávamos entre os peixes e descansávamos nas imensas bóias, onde nos “amarramos” umas às outras, sendo levadas pela correnteza. Muito riso e diversão.

Quando nos enchemos das bóias, tentamos furar os pés num caminho pedregoso até o mirante no extremo da lagoa. Parada para fotos e no retorno, almoço em Playa Del Carmem, um restaurante mexicano com comida apenas razoável. Ainda não comi nada que me tirasse o fôlego, em matéria de sabor, ou de pimenta. Os restaurantes são turísticos, com ambiente agradável e visual simpático, mas o descuido com a qualidade da comida tem sido imperdoável.

Na volta à Cancún, à noite, pegamos uma estrada em obras e esburacada, sem iluminação, com retas intermináveis, promovendo o sono no carro. B dormiu de verdade, se não me engano, roncou e babou também, enquanto D tentava, num esforço sobre-humano, manter-se acordada e conversando comigo, para que eu não dormisse ao volante.

No hotel, exaustas, uma soneca de quarenta minutos e a ordem imperativa para que eu entrasse no banho, sob pena de ser abandonada sozinha no quarto. Fomos ver do que exatamente se tratava a “foam party”, para a qual havíamos sido convidadas pelos americanos. Não dá para descrever o que é para quem nunca viu pessoalmente. O pior quadro pintado não chega perto do que presenciamos pelo vidro da boate. Homens e mulheres ensopados de espuma e água até os olhos, bebendo e dançando à noite, numa quinta-feira (poderia ser qualquer noite, na realidade), esfregando espuma um no outro e achando a maior graça nisso. Recebeu o maior cocar para o programão de índio. Obviamente, as três moçoilas protagonistas desse relato de viagem, arrumadinhas em seus vestidinhos, fizemos meia-volta e fomos procurar outras paragens menos indígenas.

Estivemos em alguns lugares que não nos cativou e fomos parar na D’O, onde ficamos dançando e nos divertindo, até que começou, sem aviso prévio para nós, o segundo programão de índio da noite – A Noite do Biquini. Mulheres mostrando o corpo em micro-biquinis e contorcionismos de quem assina o playboy channel. Os homens presentes, levados de volta a idade da pedra (chegaram a sair??) gritavam, assoviavam, batiam palmas, abriam a boca em expressão de pasmo, filmavam e fotografavam.

Um delírio ululante que durou uma hora, distribuiu prêmios para as três primeiras colocadas – sim, era um concurso e sim, havia júri – escolhidas pela pressão pública e pela onda politicamente correta, já que eram de nacionalidades diferentes: mexicana, canadense, americana. Respirei aliviada por não haver nenhuma representante tupiniquim pagando aquele mico para gringo ver.

Depois disso, o melhor era ir dormir. A noite de quinta-feira ficou conhecida como a noite do orangotango, já não era mais mico.

27 de fevereiro

Sexta-feira, pegamos o carro para passar o dia em Playa Del Carmem. Andamos pela areia, até encontrarmos um bar confortável e é onde escrevo no momento, com as pernas em cima da mesa e olhando para esse mar com várias tonalidades de azul, naquela moleza pré-menstrual.

Depois do descanso e da preguiça, fomos comer uma pizza em um restaurante na 5ª Avenida. Adeus à Búzios dos anos 80, charmoso balneário caribenho que infelizmente não conhecemos por mais tempo. Novamente, aquela estrada à noite, muito contra a minha vontade, mas o lugar aprazível era como um ímã, nos impedindo de partir.

De volta ao hotel, somente tempo para o banho e saímos para jantar no HBS, último brinde de tequila e música alta. Pela primeira vez na semana, a noite estava quente e a brisa também era quente. Fomos dançar na D’O, mas a faixa etária havia abaixado sensivelmente. O que estava acontecendo? Em seguida, em um dos andares mais altos, uma mulher embriagada resolveu que já era hora de ficar pelada e tirou tudo, para nosso escândalo. Outra cena de playboy channel que no Rio, pelo menos onde frequentamos, não costumamos assistir. O garçon nos explicou que aquela cena não era nada perto do que aconteceria a partir daquele sábado, com o início do “spring break” americano. Ah! Era isso!

As desnudas continuaram seu show, os garçons fingindo que impediam, a galera aos uivos (maracanã perderia feio, na disputa), pedindo mais, mas já não havia lugar nem para o espanto, nem para a curiosidade. Cansou. Abandonei o barco e as meninas ainda ficaram mais um pouco para as últimas despedidas.

28 de fevereiro

Último dia, sábado, tiramos a manhã para arrastarmos malas de um lado para o outro, fechar a conta e fazermos compras. Voltamos para o hotel a tempo da minha despedida de Netuno, último mergulho naquele mar azul e ainda preguiçamos na piscina.

A invasão do hotel e da cidade pelos teenagers americanos foi contundente e nos fez agradecer o nosso carnaval ter caído uma semana antes de março, início do spring break dos bárbaros.

Últimos momentos de pernas para o ar, algumas fotos, o banho e o descanso no clube, alta traição das meninas, ao me fotografarem sonecando e o retorno à casa. A viagem, apesar de longa, não foi sentida, tendo eu dormido profundamente no avião desconfortável, completamente vencida pela exaustão.