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80 dias
Em alguns momentos, parece que foi ontem, nós assistindo Bravura Indômita, último filme, último western, último programa juntos. Em outros momentos, parece que ele viajou há meses, mas chegará a qualquer momento. A saudade já se sentou em meu coração, mas a dor passeia pelo corpo, cada madrugada escolhe um órgão para alfinetar.
Os planos de vida são refeitos, as brigas de rua (com empresas e gente sem vergonha e sem coração) são resolvidas na insistência ou no grito (na Justiça), as datas significativas são atordoadas com família e amigos que nos dizem sim, os hábitos diários são modificados e todos temos que nos adaptar a uma nova fase que nos foi imposta sabe-se lá por quem que levou meu pai embora antes no nosso tempo.
Saldo do período: 80 madrugadas interrompidas, 240 horas de lágrimas, 1.200 suspiros, 4 dias de dor no pescoço, 2 dias de dor na perna, 40 dias de dor na coluna, 15 problemas resolvidos, 3 problemas encaminhados, 2 por finalizar e 1 briga na justiça, 11 datas familiares já vividas, 10 ainda por vir, 3 quilos de peso a mais, 10 unhas roídas, 1 cabelo cortado, 80 dias de hoje conseguirei, 130 telefonemas para o Sul, 2 consultas médicas, muitas outras por marcar. 27 notícias de jornal à espera de comentários e conversas interessantes que nunca teremos, 80 dias de vamos em frente, seguidos de 80 noites de ainda não acredito.
Lauris
Hoje tia Lauris faz 80 anos. Digo faz porque ela está conosco todo o tempo. As lembranças de sua voz enrouquecida, veemente, ecoa pelos cantos, pelas ruas, pelos móveis escolhidos por ela, usados com ela. Hoje Lauris faz 80 anos e é uma celebração de vida, de privilégio por termos compartilhado de sua presença e de seu magnetismo. Hoje Lauris faz 80 e não sei se iria querer festa, uma pizza, um nhoque feito pelo Nelson bagunçando sua cozinha, um champagne, ou um passeio no parque. Só a família, ou a galera toda. Ou tudo ao mesmo tempo, porque ela foi muitas num tempo só. Suas frases de sabedoria ainda guardo na memória, apesar de esquecer quase tudo – digamos que eu tenho a memória do que é digno de ser conservado, como afirmou Hesse. Hoje Lauris faz 80 e aqui deposito meu beijo.
Ela disse que era tarde demais
Eram jovens, bonitos, cheios de vida. Tudo conspirava contra, mas eles tiveram força para continuar. Ele sonhava com céus, estrelas e nuvens brancas. Ela carregava uma segurança incompatível com sua idade. Ele sorria sempre e agia como um menino. Ela enxergava os próximos vinte anos. Ele vivia nas nuvens. Ela sonhava com a vida. Ele voava em seus pensamentos. Ela pensava em voos apaixonados. Ele tornou-se distante. Ela voou para longe. Ele voltava sem estar. Ela tornou-se ranzinza. Ele deixou de rir. Ela passou a chorar. Ele não via TV. Ela reclamava de tudo. Ele tentou encontrá-la. Ela disse que era tarde demais.
Os Filhos de Beibe
Pisquei os olhos e se passaram dez anos. Fomos os Filhos de Beibe, nas colinas das minas gerais em cinco dias de folia, gargalhada e suadeiras. Os causos ficaram como recordações suaves de tempos sem descanso. A partir daquela data, como em um pacto descombinado, os quatro companheiros, mosqueteiros em viagem, mudaram suas vidas, seus destinos, os programas, os afetos, suas casas, os trabalhos, as famílias. Só as músicas permaneceram.
Riroca e Pedrobaby procriaram, não um com o outro, que Deus é grande, mas com seus respectivos digníssimos; Zébelê resolveu aparecer quando Nanashara estava pintando-pintada de verde dos pés à cabeça; Nanashara desapareceu de tudo como bruma em noite de serra. Só as fotos permaneceram.
Riroca e Nanashara mantêm contato permanente. Riroca, Pedrobaby e Zébelê mantêm contato esporádico. Pedrobaby liga uma vez por ano, na véspera do seu aniversário, para ganhar presente; Zébelê continua um enigma risonho; Riroca continua encantando e Nanashara voltou a escrever. Os quatro mosqueteiros, ex-companheiros de viagem, combinaram almoços, lanches, passeios e risadas que nunca se concretizaram. Só a vontade permanece.
Premonição
Terás muitos outros, antes e depois, mas ele é quem terás amado por mais tempo, mais profundamente, porém, na superfície de seus olhos. Ele terá entendido tua alma mais e menos que todos, terá estendido as mãos todas as vezes que necessitares, mas, aí, dormirá a ruína de ambos. Ele será o teu compromisso e tua ausência, teu passado, teu desejo e a falta dele, tua senha, teu amigo, teu amante, teu distante. Ele te dará uma família que não é tua, mas que adotastes, e tudo farás para mantê-la. Todos os momentos em que te sentires perdida, lembrarás de sua firmeza, lamentarás sua fraqueza, lembrarás de seu abraço, lamentarás não tê-lo sempre. Sorrirás, porque sabes que, onde quer que estejas, ele existe, ele foi, ele será. Para sempre.