Marialva gostava de flores do campo, Osório lhe entregava tulipas de plástico. Ela preferia viajar de carro, com rumo mas sem roteiro, ele planejava os minutos das férias. Marialva era cheia de energia e queria o sexo sem hora marcada. O metódico Osório só permitia o prazer agendado. Marialva se sentia prisinoneira das datas obrigatórias que Osório lembrava com presentes comprados pelo preço. Marialva queria sair com as amigas, falar bobagens do dia, mas Osório não dava folga, não ia nem ao futebol com os amigos. A vida dos dois era simbiótica por imposição do tempo e das vontades do marido. Na última quinta-feira, ele se depediu da mulher com o mesmo beijo na testa e a promessa do chameguinho obrigatório à noite. Marialva não hesitou: colocou as roupas na mala, documentos na bolsa, escreveu um bilhete simples e saiu pela porta para abrir a vida.
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Osório
Osório chorou: “não sei em que errei”. Jogou-se em cima da mesa do bar e continuou a chorar, todos olhando assustados aquele homem grande se esvaindo em lágrimas. Ele era um perfeito marido, há vinte anos não olhava para o lado, só enxergava Marialva, que agora arrumara as malas e saíra de casa, não queria nem conversa. Osório, inconsolável, desfiava o novelo de seu amor que o impedia de entender como a mulher o abandonara, ele-o-marido-perfeito.
O homem contava que, em vinte anos, nunca esquecera nenhuma data: a do primeiro beijo, a de quando começaram a namorar, a de quando marcaram a data do casamento, e a da cerimônia. Para cada data, um presente especial, uma lembrança, um agrado. Além das datas, Osório fazia questão de demonstrar o seu amor com bilhetinhos escondidos pela casa, levava flores, Marialva era a sua deusa a quem ele fazia tudo para agradar. Ela era a sua alma gêmea, a tampa, a metade, todos os lugares-comuns dos ditos populares.
Os amigos o chamavam para um futebol, para assistir ao jogo no bar, para comemorações e ele sempre respondia que sem a mulher não tinha graça. E não ia. Chegava em casa cedo, via a novela com Marialva, ajudava a lavar a louça do jantar, fazia chamegos na mulher sempre aos sábados, às segundas e quintas. Comparecia com alegria e com prazer. Para Osório, a vida era perfeita.
Na última quinta-feira, entrou em casa animado, carregando um ramo de tulipas para a mulher. Encontrou a casa vazia, os armários vazios, a vida vazia. Marialva partira. Um bilhete em cima do banco dizia: “cansei”.