Na primeira vez, andava pela rua já deserta àquela hora da noite, apesar de não ser muito tarde, e ouvi o som de um sax, vindo de um dos apartamentos na vizinhança. Olhei para cima, tentando identificar a origem, girei sobre mim mesma, só vi janelas fechadas e luzes apagadas.
Fim de janeiro no Rio, calor forte, o batuque pré-carnaval na praia contrastava com o som de “how deep is the ocean” que eu ouvia, parada na calçada, com os olhos quase fechados. Deixei-me ficar, contrariando o bom senso de estar sozinha na rua com pouca luz, perdi a noção do tempo e quando voltei a mim, já não havia mais sax por perto. Durante dez noites, à mesma hora, retornei ao lugar, encostei em uma grade próxima onde ouvira o som, mas nada. Não havia sax para me encantar.
Fim de fevereiro, chovia, eu andava apressada pela rua, quando ouvi “how long has this been going on?” e paralisei. Olhei ao redor, como da outra vez, janelas, luzes, procurei porteiros atentos, mas, de novo, nada encontrei. A chuva escorreu pelo meu rosto, cheguei mais próxima da grade de um dos prédios, o som se tornou mais distante e retornei para onde tinha estado antes. Fiquei ali mais algum tempo, até que o som subitamente cessou, como da outra vez. Na noite seguinte retornei, e ainda mais duas, mas novamente nada encontrei.
Fim de março, voltava do aniversário de uma amiga, de carro, música ligada, e achei que tinha ouvido um som conhecido. Parei o carro, abri a janela e confirmei. Era o sax de volta. Entoava “do it the hard way”, eu saí do carro e o tranquei, sentei em um caixote de feira que estava na rua e fiquei ouvindo. Dessa vez, não olhei para cima, nem para os lados, não procurei informações, somente deixei a música embalar meus pensamentos. Não voltei na noite seguinte.
Dez dias depois, meados de abril, caminhava triste para casa, chorando, quando ouvi “my heart stood still” e, então, chorei mais ainda. A brisa da noite era fresca, outono no Rio e procurei um lugar para sentar e ouvir. Uma certa hora o som parou por um momento, enxuguei as lágrimas, achei que tinha acabado o concerto por aquela noite, mas logo depois comecei a ouvir “the more I see you”, um arranjo de arrancar a pele, de tirar o fôlego. Fiquei sentada em um canto da grade do edifício, ouvindo, até que parou de vez.
Levantei-me e caminhei para casa, tomei um banho, abri uma garrafa de vinho e busquei em minha gaveta de cds antigos os de Chet Baker, coloquei-os para tocar no cd player e deixei-me ficar ouvindo, alternadamente, o sax e a voz.
Já retornei várias vezes ao local onde ouvia o sax, mas ele nunca mais tocou para mim sob as estrelas. Hoje ouço sua música em minha casa, sem os perigos da noite, sem a emoção de ser ao vivo, de vir de um lugar desconhecido, mas é Chet quem toca e canta.