Relato de Sheemarie:
Passeio pelo menos duas vezes por dia com minha mãe/dona/master of the universe. Sou conhecida na rua, os donos das lojas, o jornaleiro, porteiros e quase todos os vizinhos me acham muito charmosa. Vivem tentando me fazer graças, mas eu só ligo mesmo para os que me tocam o coração. E não sou uma conquista fácil.
Existe um pedaço de calçada em que já tenho permissão para andar sozinha, sem a guia, mas é só eu dar uns passos a mais, que volto logo para a prisão. Logo eu, que sempre andei solta, correndo pelos gramados da vida.
Tenho alguns amigos pela área, o Cafuringa, o Gutinho, o Tchulú, meu amigo surfista, e o Nemo, que encontro pouco. Como hoje fui passear na praia, encontrei-o. Ele tem a desagradável mania de me cheirar, mas eu dou o troco e cheiro ele também. E devo confessar: ele é lindo! Todos na rua, quando nos viram juntos, falaram que ele tinha arrumado uma namorada. Fiquei com vergonha, mas cheia de orgulho daquele bonitão gostar de mim!
Na praia, nunca me deixam correr solta, dizem que é lei e a lei é para ser respeitada. Mas eu consigo tirar uma casquinha, quando minha dona se senta no calçadão, na beirinha da areia. Fica uma brincadeira divertida que me enche de gás, eu corro até o máximo da guia, (e ela é curtinha, uma pena!) atrás dos pombos que pousam por ali, ciscando restos. Aliás, não entendo porque eles podem e nós não. Eu sou vacinada, vermifugada, banhada, minha mãe me passa um remédio mensal contra parasitas variados mas, mesmo assim, não posso brincar na areia da praia. Mas, voltando à brincadeira, eu corro atrás dos pombos, eles fogem, lógico, e eu volto correndo para o calçadão, dou a volta por trás da minha master e começa tudo de novo. Hoje tentei cavar a areia, como eu fazia na terra, mas não tem a mesma graça. Ficamos lá vendo o pôr do sol e voltei saltitante, para casa, com minhas orelhinhas abanando ao vento.
Minha dona já me disse que quando eu ando séria, num passo compassado, eu fico a cara do John Travolta naquele filme Pulp Fiction. Ela inventa cada coisa! Diz que é o ritmo do caminhar, e o balançar das minhas orelhas fica igual ao balançar dos cabelos dele no filme. Vai discordar…
Nas redondezas de meu prédio, mora um gato. Grande e moreno. Se eu não fosse uma cachorrinha criada no campo, poderia até dizer que ele é um gatão. Mas, o problema é que gatos fogem de cães no campo e eu corri muito atrás de gato, para espantá-los do meu território. Na cidade tudo é diferente. Gato enfrenta cão! Nunca tinha visto coisa semelhante! Na segunda vez que rosnei pro Morenão, ele esticou suas garras em minha direção e levei um susto. É claro que não deixei transparecer meu medo, minha mãe me puxou na mesma hora, e eu ainda dei uns latidos na moral. Agora já estou mais acostumada com a presença dele e nós passamos o tempo nos olhando. De longe. Ele lá e eu cá. Por mais que minha master tente me ensinar que cães e gatos podem ser amigos, acho que somente o tempo para eu me acostumar com a ideia.
Bom, agora tenho mais o que fazer, como roer essa trança linda que ganhei, e outro dia voltarei para contar alguma outra estripulia.