Minha sobrinha mais velha tem uma caixa-para-quando-estiver-triste. Nunca precisou ser usada, mas ela está lá, ao alcance da mão e da primeira lágrima. Dentro dessa caixa, objetos pessoais e intransferíveis que têm o poder de fazê-la feliz. Músicas, cartas, acessórios e chicletes, renovados conforme a validade.
L., que fará, em breve, quatorze anos, foi criada em berço de ouro, mas o ouro do amor. Sua mãe, tio-padrinho, avó e tia-avó têm lhe passado o melhor dos mundos de amor. Com sabedoria instintiva e intuitiva, eles formaram com ela uma aliança de afeto, cuidado e incentivo que a fizeram engatinhar, dar os primeiros passos, caminhar acompanhada para que, em breve, ela mesma possa alçar seus vôos solo nesse mundo alucinado em que vivemos.
L. escreveu aos quatro anos, leu aos cinco, criou suas primeiras e próprias estórias aos oito e continua amadurecendo em seu universo mágico da imaginação e, sem pressa, se prepara para Ser. Não tem as certezas absolutas dos adolescentes, o que a qualifica para diversas oportunidades que aparecerão e a farão optar pelos melhores caminhos para sua felicidade.
Ontem, com muito orgulho por minha parte, em um jantar japonês regado a risadas, conversávamos sobre literatura. Ela agora está na fase dos romancistas britânicos dos séculos XVIII e XIX, lidos no original, claro. Compara e critica traduções para o português e risca, com severa crítica, os erros da revisão dos textos.
Sua mais recente preocupação é com o novo acordo ortográfico da língua portuguesa, o que em sua opinião – e na minha também – empobrecerá a língua que, nos últimos setenta anos, terá sofrido sua terceira grande modificação. É pouco tempo para tanta intrusão.
A existência de L. em minha vida só me fez querer ser melhor. Seu primeiro abraço, registrado em foto para a posteridade, ganhei quando ela tinha quatro anos e, de lá para cá, nossas afinidades só cresceram, assim como meu amor por ela.
Ela é a minha caixinha mágica. Suas cartas, bilhetinhos, fotos, desenhos estão comigo, ao alcance da mão ou de alguma lágrima que teime em cair. A minha caixinha já usei.