“…nessa Lisboa que estava fora e dentro dela ao mesmo tempo. Local único na Europa, linda e cheia de luz, mas também de medo, a Lisboa onde vivi tanto que, por mais que viva, e muito tempo depois, nunca mais vivi como ali, aqui, nesta Lisboa.”
“… Não podem compreender um dos segredos da humanidade, um segredo estranho e perturbador: em tempo de guerra, o desespero toma conta das almas e as pessoas amam como loucas.”
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“Sem calor nem frio, na variedade das cores vivas que lhe ressaltavam a harmonia do conjunto, Lisboa unia agora em mim o presente e o passado, como se o tempo estivesse a fluir sem destruir a si própria. A novidade, ali, era eu mesma, com a experiência vivida e as lembranças intactas, subjacentes a curiosidade do olhar. Se a memória reclamava uma esquina, uma janela, um portal, um balcão, um beiral,…, as pupilas atentas reencontravam a minúcia objetiva, e a emoção do reencontro subitamente se completava.”
“…- Quem foi feliz em Lisboa, e aqui regressa, como estou regressando agora, tem o dom de transformar o passado em presente…”
“…E, a despeito de amar Lisboa e de ter ali velhos amigos e belas recordações, só pensava no meu regresso ao Rio…”
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Miguel Torga, Natal 1968
“…Voltam agora ao berço, roídos de saudades. E não é sem apreensão que os vejo pisar, já menos toscos de aparência, o amado chão da origem. É que muita água correu sob a ponte desde que se ausentaram.
Mas a pátria é um ímã, mesmo quando a universalidade do homem, como neste preciso momento, sai finalmente dos tacanhos limites do planeta. Poucos resistem à sua atração ao verem-se longe dela, seja qual for a órbita em que se movam.
Por mais fortuna que tenham pelo mundo a cabo, é com o ninho onde nasceram que sonham noite e dia. É que só nele se exprimem corretamente, estão certos nos gestos, são realmente quem são.
Pode ser que o exemplo seja seguido, e o êxodo, que empobreceu a nação, comece a fazer-se em sentido inverso, e as nossas misérias e tristezas mudem de fisionomia.”