Porta-retratos

A aposta em 1957

As amigas duvidaram: “ninguém consegue namorar o Pevê”. Bastou a provocação para a moça linda, pequena, de cabelos curtos e olhos muito sapecas, tomar a decisão de seduzi-lo. “Eu consigo”. Gargalhada geral e ela séria, muito séria. Voltavam da praia para a casa do dr. Paulo, onde todos costumavam se reunir e fazer festas, rapazes sentados na varanda, moças no banheiro se arrumando. Ela pegou um frasco de xampu, desceu as escadas com degraus de mármore, passou por todos os homens e entregou nas mãos do Pevê, pedindo com charme: “Abre para mim?”– Ele abriu.

 

A fúria em 1974

Entraram no restaurante, cheíssimo àquela hora e foram até o bar para esperar mesa. Ele pediu um uísque e, bem mais alto, ficou na frente dela para que ela não fosse empurrada pelos muitos frequentadores que passavam de um lado para o outro. Uma loira cheia de curvas e piscadas com cílios postiços chegou perto dele, pegou o copo que estava em sua mão e já estava pronta para dar o bote no uísque e no marido alheio, quando a pequenina e feroz esposa, de um salto, arrancou o copo da mão da inoportuna e advertiu-a: “O uísque tem dono e o homem também.” – Ele sorriu.

 

A viagem em 1995

O restaurante ficava do outro lado do rio, mais de uma hora de carro. Era um lugar simples, em que os clientes pediam no balcão, arrumavam suas próprias mesas, e quando o prato ficava pronto, o cozinheiro gritava o nome do freguês para buscar o pedido na mesma bancada em que se pegava a bebida. Era uma orgia gastronômica. Ela, com um chope na mão, apreciava a vista. Após muitos pratos, perdeu o marido. Não sabia onde ele estava. Encontrou-o sentado à mesa de um casal jovem, provando a comida deles. “Querida! Você tem que provar esses caracóis! Maravilha!” – Ele aplaudiu.

 

O encontro em 2008

Ano-novo na casa da irmã, família faltando membros, muita emoção na chegada, risos e música e champanhe, muito champanhe. Com mexilhões defumados, ostras e camarões. Lá pelas tantas, ele começou a se sentir mal. Meio enjoado, mistura do calor, da bebida, dos sentimentos, chorou no meio do discurso e as ondas de enjoo aumentaram. A esposa viu, pegou o primeiro vasilhame de inox que encontrou na cozinha e correu para a sala a tempo de aparar o efeito da mistura daquela comoção. Tudo o que estava no estômago foi parar na cumbuca onde eram servidos os pratos mais caprichados da família. “Só não… não… contem pra Renatinha onde vomitei…” – Ele pediu.

Ele pediu a mão. Ela sorriu pra foto. Ele trabalhou dois turnos. Ela pariu dois filhos. Não foi um conto de fadas, mas eles foram felizes para sempre.

 

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