Ela tinha seus demônios particulares. Não eram daquela maneira que vemos em filmes, um anjinho e um demoninho em cima dos ombrinhos das pessoinhas. Eram dois, grandes, do tamanho dela, que andavam com ela o tempo todo.
Alice era o que se costumava chamar “um amor de pessoa”. Educada, atenciosa, falava mansinho, cumpria seus deveres e era discreta. Os amigos adoravam-na e a família era unida. Bastava ela pisar no escritório, que os demos tomavam posse do ser maravilha. Era, no mínimo, grosseira. Na maior parte do tempo era cafajeste mesmo. As histórias são infindáveis.
Com uma equipe de oito pessoas, ela distribuía ordens sem orientação e cobrava aos gritos, quando os funcionários erravam. O texto? Rasgado e jogado pela janela. Acertou alguma coisa? Mérito dela. Atirava o que estivesse em sua mão quando o funcionário entrava sem bater. Para os telefonemas, ela não estava na maioria das vezes. Mas sua equipe nunca sabia quem devia ser bloqueado na linha, quem podia seguir adiante.
Falava mal dos funcionários o tempo todo e para quem quisesse ouvir. Para quem não quisesse também. Tudo no perímetro da empresa. Nunca um obrigado, nunca um por favor. Certa vez, implicou com a hora que um membro da equipe chegou, chamou e demitiu na hora. Mandou embora aos gritos, não deixou entrar. Costumava usar sua sala para sexo com quem precisava de alguma coisa de seu departamento ou de algum fornecedor, homem, mulher, quem ela desejasse. Ganhava um dinheiro extra também, se não tivesse interesse sexual na pessoa.
O mais estranho de tudo: ela costumava comer a falangeta do polegar da mão direita. Ficava em carne viva. E era feio de olhar aquele polegar na boca, todo babado, o sangue escorrendo e ela continuando a roer.
Um dia, a equipe não aguentou mais as humilhações e foi conversar com a chefe da chefe. Ela foi mandada embora. Para a Austrália. Para pesquisar novos mercados para a empresa. Outras vítimas. Um amor de pessoa.