Na reta final de concluir a escritura da monografia, descubro um documento que passa a me interessar mais pelo prazer de possuí-lo por inteiro do que pelo fato de acrescentar nova informação à tese formulada. Procuro, através da internet, mas só encontro referências e alguns trechos do doc. Como sei quem é o dono, peço ingênua ajuda ao meu tio, que me conta uma história de arrepiar os cabelos sobre o sujeito em questão.
Como meu tio é um escritor de primeira grandeza e coração largo, ao me explicar as vilanias do sujeito, completou com uma frase que fez meu coração acelerar, tão bonita a enxerguei: “espero que a terra lhe seja leve.” Que sofisticação, quanta emoção contida numa frase quase à toa. Tolice minha. Grandes escritores não escrevem frases à toa.
Agradeci e respondi que a vida já é o suficiente difícil, para procurarmos mais confusão.
Mas a frase ecoa em meus ouvidos: “espero que a terra lhe seja leve.” Espero que a terra lhe seja leve. Mais forte que um texto inteiro, mais violenta que um xingamento à mãe, mais intensa que a raiva, a frase diz tudo o que a alma de um poeta – como é meu tio – pode sentir.
Meu tio, que é amigo de meu pai há mais de 50 anos, e a quem não chamo de tio, porque sempre foi – e continua sendo – bonito demais para chamá-lo assim, tem histórias para contar. Adoro ouví-las, nos raros encontros, nos telefonemas frequentes, ler em seus livros publicados.
Que a terra lhe seja leve… Continua o eco, enquanto lembro os meus tempos de menina quando tinha que sair da sala para ele relatar torturas recebidas nos porões da ditadura. Fugiu do país, passou anos nos exílios, voltou com outras histórias, de liberdade, de neve e frio.
Sou a fiel depositária de suas cartas, desse tempo que já vai longe, assinadas como Zenon Omonte, para não complicar a vida de meu pai nos anos de chumbo do país. Meu irmão leva o nome de seu irmão, que desenhou uma caricatura de meu pai em crise alérgica, com direito a versinho, quando eram muito jovens e a vida, além do mundo, lhes pertencia e era infinita.
A terra lhe seja leve… Para quantas pessoas, ao longo da vida, terá ele desejado essa frase violentamente poética? “Aquele que voa mais alto”, como o chamava o professor de inglês do Colégio Mello e Souza, continua ensinando vida a seus pupilos, sobrinhos, amigos. Assumirei como lema seu mais recente ensinamento: Espero que a terra seja leve a quem quer que tente escurecer a luz de meus dias.
Querida, mais do que nunca, as sábias palavras do seu tio devem ecoar em sua cabeça, não?! mas há de haver leveza sim e se tiver pesada, me avisa que eu ajudo a carregar!